Abriu a boca para dar um grito, como o grito de liberdade, afinal sentia-se viva, mas a voz que saiu de dentro de si foi das cordas da vesicula.
Voz amarelo-amarga emudecida pela gosma biliar
Levantou e abaixou a cabeça diversas vezes em espasmos cada vez mais intensos
Dos seus olhos não saía nada
tinha secado seus vasos
mas a bile continuava explodindo em lava
contaminando seus dentes
sua boca
sua língua
seu queixo
tentou em vão passar as costas da mão sobre a boca
esperando aquela ter sido a última erupção
mas sabendo em si que não era
deixando a marca esverdeada em seus pêlos suaves
Quando a respiração já diminuia
dando até a sensação de que estava chegando a hora da última
sentiu de novo o tremor sutil em seus músculos
ia mais uma vez expelir seu amargo
foi quando sentiu a respiração parar
o ar não ia nem voltava
alguma coisa maior que seus tubos estava subindo
avisando da perda
e quando chegou na garganta sentiu o fluxo negro do sangue talhado
que envolvia sua víscera
e num último impulso de não se livrar da dor
no último instinto de ser humano sofrimento
ainda tentou segurar entre os dentes
o bolo de carne que sangrava e pulsava em sua gengiva
vazando pelos espaços
manchando de roxo o esmalte e o tártaro
ela abriu o esqueleto mas deixou os lábios cerrados
a víscera então começou a encontrar caminhos
a invadir os cantos da boca
os poros, as cáries, as aftas
e ela se libertou
abriu a boca e cuspiu, quase que involuntariamente
a forma viva de dor que saía do seu centro
agora parecia menor,
parecia parada
e parecia redonda
ela não hesitou
tirou os sapatos e pisou com entrega sobre seu pedaço maligno
as bolhas de sangue e carne estourando sob os dedos
esparramando nos espaços interdigitais
soltando seu cheiro vivo de morte
entrou em casa
enfiou seu pé no vaso sanitário
e deu descarga
para limpar os últimos restos de sua dor. Agora morta.
6.01.2005
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