ao chegar em casa percebeu que havia perdido a chave. como? a chave fica no chaveiro do carro. deve estar dentro da bolsa. escova, carteira, papeis, chocolate, batons. ué, cheguei em casa, estacionei, onde posso ter perdido a chave... fez o caminho de volta até a garagem sem saber que não existe caminho de volta. principalmente para subterrâneos. elevador, corredor, garagem. nada da chave e agora também nada do carro. perdido. como posso ter perdido o carro? assim, nenhum carro. que confuso. resolveu ir até o escritorio. sem saber bem para quê pois tinha certeza de que voltara no carro pra casa. pegou um taxi. berrini, 409, por favor. ruas.
senhora, nao tem 409. do 390 passa pro 420. a senhora tem certeza que é na berrini mesmo?
nao tem 409? moco, a gente tá na berrini?
é moça, mas nao tem 409.
me deixa aqui.
foi olhar. do 390 passa pro 420. é, nao tem 409. perdi o escritorio? pra onde vai um prédio inteiro? um endereço? e os computadores, as mesas, as pessoas? parou perplexa. olhou os carros, as ruas, as outras pessoas. todas pareciam bem saber das coisas. não sabia o que fazer. resolveu comprar o jornal. um pouco de realidade ia lhe fazer bem. talvez, ao distrair a mente, tudo voltasse. moço, dá um jornal, por favor.
de que dia?
de que dia??? de hoje!
não tem.
não tem jornal de hoje?
não tem hoje.
hoje não tem jornal de hoje. sei. e de que dia tem?
tem de ontem.
e por que nao tem de hoje?
não é que não tem de hoje, moça. pra você, hoje, não tem.
não tem hoje para mim? pros outros tem?
deve ter.
não sabia o que pensar. como assim? não tem hoje para mim. que maluco. o que ele quis dizer?
saiu da banca. ele não soube se expressar. é claro que tem hoje para mim, já fiz um monte de coisa hoje. acordei, levantei, trabalhei. eu me lembro de tudo. vou ligar pra laura. ela vai me contar. vai dizer que tem hoje, que tenho carro, que trabalhei. vai me buscar aqui e me levar para algum lugar e vamos resolver tudo.
pegou o telefone. discou.
alo
laura?
não
quem é?
pra quem voce ligou?
pra laura.
aqui não tem laura.
olhou no visor. a agenda dizia laura.
que número é?
minha senhora, aqui não tem laura. tchau.
continuou andando. passou na frente de uma loja. ao olhar na vitrine, viu seu reflexo. estava nua.
meu deus! cade minhas roupas. o que tá acontecendo.
daí em diante tudo foi muito rápido. nao tinha roupas, nao tinha carro, nao tinha endereço, não tinha documento. nem mesmo mais o seu nome. existia apenas.
a policia chegou. esperou, nua, na sala de espera. tinha perdido a voz e a fala. ambulância.
sedação. tinha paredes, apenas.
sabia que não deveria ter voltado. deveria ter arrebentado a porta
10.22.2008
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2 comentários:
mudanças de rumo súbitas às vezes resultam nisso. o que não é de todo ruim. imagine se casa, carro, trabalho, chave e a gente permanecesse existindo, sempre, sempre,,,
PPeri
nem consigo imaginar um sempre, sempre...
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