3.07.2009

A menina da dor do bolo no labirinto

era uma vez uma menina de 7 anos.
7 anos de idade.
7 anos de felicidade.

Um dia, um pouco antes de fazer 8 anos (o que era o sonho dela, pois sempre gostara do numero 8, o numero que parece uma formiguinha) ela encontrou um bichinho. Um bichinho preto, feio, misterioso. Na verdade, foi o bichinho que encontrou a menina. Ela ficou olhando pra ele. E ele olhando pra ela. E apesar de seus olhos nao serem visiveis ela tinha certeza disso.

E assim eles ficaram por muito tempo. Mais tempo que era o tempo que ela esperava pra chegar a hora de dormir, que era sua hora favorita. E era sua hora favorita porque nessa hora ela fazia uma coisa que sua mae chamava rezar mas que ela chamava de esvaziardepalavras.

Mas naquele dia ela nao conseguiu esvaziardepalavras. Ela tentou. Ajoelhou-se ao lado da cama e ficou parada. Sem pensamentos e sem palavras. Nao conseguia ter palavras. O bichinho ali, olhando como que vitorioso. Ela fechou os olhos a procura das palavras, uma so, umazinha. E nada. E entao ela soube que nao conseguiria mais esvaziardepalavras.

Acordou no dia seguinte, como acordou em todos os dias dai pra frente. Quer dizer, nunca igual porque a cada dia mais e mais palavras estavam se acumulando dentro dela. Olhava as pessoas e ficava imaginando como elas podiam continuar vivendo normalmente. Onde e como elas estariam esvaziandopalavras. Mas nao tinha palavras pra perguntar e ficou sem resposta mesmo. Ficou na duvida ainda por muitos anos, ate descobrir muito tempo depois que elas tinham um bau de guardar palavras. Mas ela nao queria um bau desses. E ela nao queria por dois motivos: primeiro porque ele teria que ser tao grande, mas tao grande, que ela teria medo de cair dentro dele quando fosse esvaziardepalavras la dentro. Segundo porque ela tinha medo de alguma palavra fugir. Ela sabia que suas palavras eram maquiavelicas, mesmo sem conhecer esta palavra. Elas iam conseguir uma forma de fugir. E isso seria uma tragedia. Principalmente porque elas, as palavras, conseguem fazer aquele negocio que os bichos fazem, que se chama mimetismo, que seu pai lhe explicou um dia que era tipo uma fantasia que eles vestem e que os deixa parecidos com o lugar onde estao. Pois eh, as palavras tambem mimetem.

Entao ela resolveu que ia deixar as palavras dentro da cabeca mesmo. Talvez elas ficassem tao perdidas no labirinto de seu cerebro que nao encontrassem a saida nunca.

Mas ela, que sabia de um monte infinito de coisas (ela vinha fazendo uma lista das coisas que sabia mas quanto maior a lista ficava, maior tambem ficava a lista das coisas que tinham que entrar na lista. Ela desconfiava que isso devia ser um dos misterios de deus que o padre tanto falava nas aulas de religiao.) Pois sim, ela que sabia de tantas coisas, nao sabia de uma. Uma muito importante. Porque as pessoas nao falam das coisas que realmente importam. E por isso ela nao sabia que palavras adoram labirintos. Principalmente as maquiavelicas. Porque dentro dos corredores dos labirintos, elas comecam a se juntar e a formar bolos de palavras. E estes bolos vao crescendo dentro do corredor. O corredor vai crescendo dentro do labirinto.

E isso doi.
Doi mais que cortar o dedo com faca. Mais do que torcer o pe. E bem mais do que uma palmada de mae. Ela conhecia todas estas dores. Menos dor de bolo de palavras.

Mas a dor so comecou no outro dia de manha. No dia do seu aniversario de 8 anos. E entao no fim da tarde ela percebeu que o bichinho nao estava mais ali.

De novo ficou sem entender. Mas desta vez nem queria. Porque a dor ja estava la. E no comeco, ela ate se esquecia da dor quando ia brincar, mas com o passar do tempo, existia apenas ela e a dor.

E assim foi seu aniversario de 8 anos.
E assim foi seu aniversario de 9 anos.
E assim foi seu aniversario de 30 anos.
30 anos de idade.
7 anos de felicidade.

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